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Reportagem Bons Sons 2014 - Os últimos dias da cereja no topo do bolo

O Bons Sons é transversal a todos. Pela aldeia vê-se velhos e novos, bebés, com meses de vida, e pessoas mais velhas, habitantes da aldeia ou não. Até os animais vagueiam pelas ruas cheias de gente. Dos mais arranjadinhos aos mais freaks, o festival é um encontro de gerações, de estilos e culturas. Quem vive a aldeia nos quatro dias do festival sabe do que se trata. Os Cem Soldenses recebem os forasteiros da melhor maneira. Mais não conseguem fazer. José Augusto Mourão, de 92 anos, é testemunha do que se vive na aldeia. Não se importa que a aldeia fique cheia nesta altura: "quanto mais gente vier, melhor", confessa-nos o habitante mais velho de Cem Soldos. Como a idade não é um posto, José Augusto Mourão espera assistir a um grande número de concertos.

Segundo dados da organização, desde o dia 13, com a recepção ao campista, pelo Bons Sons passaram cerca de 15 mil espectadores. Mais ainda, virão. A Igreja de Cem Soldos ganha outra relevância na altura dos Bons Sons. No templo, o sagrado e o profano coabitam em paz, em prol de algo maior: a música. A Igreja, localizada no centro da aldeia, no Largo do Rossio, recebe os concertos de Reportório Osório, Mila Dores e Luís Antero, nomeando apenas alguns. É Sábado, 16 de Agosto. O calor da tarde é muito, em contraponto com o frio que se faz sentir à noite. Mara, Tiago Sousa e Tocá Rufar iniciam os concertos do terceiro dia do festival. Os Guta Naki deram o seu último concerto - "sem dramas, vá. Quero que seja motivo de festejo, do que virá, do que já foi, de tudo de bom que fizemos ", dizia a vocalista. É o fim de um projecto promissor, a quem ainda não era reconhecido o devido valor. Osso Vaidoso, com Ana Deus ao comando, suou a rock alternativo, apropriado para o que se iria ouvir a seguir. Noiserv precisava do palco principal para que todos o pudessem ver. No largo do palco Giacometti não cabia mais ninguém. A organização precaveu-se e projectou o concerto numa parede mais acima do palco. Também lá a afluência de público era grande.

Depois de Gisela João, no dia anterior, o fado ouvir-se-ia numa voz masculina. Ricardo Ribeiro, fadista de voz profunda, repleta de tradição, que canta a portugalidade como ninguém, brincou com o público no intervalo das músicas e quando cantava assumia uma postura séria, de profissional. Para o fim da noite, já noutro registo, ficou a sonoridade indie, psicadélico e étnico pop dos Los Waves e, já no palco Lopes Graça, dos adufes gigantes tocados pelo Aduf.

Bandas sonoras é uma exposição de retratos a músicos portugueses, composta por fotos executadas entre 2008 e 2013. É um trabalho de Rita Carmo, fotógrafa da Blitz, que ao longo da vida tem fotografado cantores como Camané, Dead Combo, Fernando Ribeiro, Jorge Palma, entre tantos outros. Também a "Pintura Fotográfica" de Catarina Vieira Pereira tomou de assalto o Armazém das Exposições, um antigo armazém de secagem de cereais que daria uma excelente galeria de arte permanente. Já as marroquinarias e o artesanato estão espalhados pelas estreitas ruas de Cem Soldos. As bancas deixam pouco espaço livre para os curiosos passarem. Pela aldeia há carreiros de lâmpadas, como que a indicar o percurso entre os palcos, o artesanato e os restaurantes improvisados. É  a vida agitada na aldeia.

Despedimo-nos do festival com um "brilhozinho nos olhos"

Preparamo-nos para o último dia do Bons Sons. No Domingo, 17, vivemos a aldeia como nunca até aqui - o programa assim o ditava. A Presença das Formigas, António Chaínho, First Breath After Coma, We Trust, Amélia Muge ou Sérgio Godinho são nomes mais do que suficientes para tamanha satisfação. A meio da tarde já se fazia notar o rodopio de pessoas na aldeia. Pouco passava das 19 horas quando os Memória de Peixe subiram ao palco Eira. O pó andava no ar, a cerveja andava na mão e o chapéu pousado na cabeça. Uma vez mais, velhos e novos, todos juntos por uma causa. A música da dupla Miguel Nicolau (Guitarra) e Marco Franco (Bateria) aqueceu o início de noite, com um pôr-do-sol deslumbrante. O dia estava quente e a noite também se viria a revelar soalheira.

Esperávamos ver António Chaínho sozinho em palco mas, em vez disso, o guitarrista apresentou-se com três músicos e duas fantásticas vozes: Filipa Pais e Ana Vieira. No final do concerto, o mestre Chaínho tocou um tema inédito, que fará parte do próximo trabalho, a editar no próximo ano, a propósito dos seus 50 anos de carreira. Apressados, voltámos ao palco Eira para assistir àquele que viria a ser uma das maiores surpresas do Bons Sons: o concerto dos We Trust com a Banda Filarmónica Gualdim Pais. A interacção com o público e as músicas contagiantes tornaram o concerto especial. A banda convidou David Santos, Noiserv, para juntos interpretarem o tema "We Are The Ones", que recebeu a maior ovação da tarde.


Chegamos ao Giacometti e a cantora Amélia Muge já se encontra sentada no palco. Um concerto calmo, de introspeção, acompanhado ao piano por Filipe Raposo. Fez-se silêncio para ouvir a serenidade de Amélia Muge. Sérgio Godinho, um dos nomes mais aguardados de todo o festival, entra em palco acompanhado por cinco músicos. "Liberdade" era a palavra de ordem e a certo momento do concerto ouviu-se do público: "25 de Abril sempre, fascismo nunca mais". Já com mais de meia hora de concerto, Sérgio Godinho sofreu uma queda no palco mas depressa recuperou e voltou  às canções para gáudio de todos os presentes. Sérgio Godinho foi assistido no local pelos Bombeiros de Tomar, que disseram que a queda provocou dois cortes "bastante profundos” na cabeça do músico. As palavras de incentivo faziam-se ouvir do público e o músico parecia recomposto. Cantor de palavras que se cruzam e se encontram na memória até dos mais esquecidos, Sérgio Godinho revisitou temas emblemáticos da sua carreira: "Maré Alta", "Com um brilhozinho nos olhos", "Liberdade" e "Espalhem a Notícia". Uma noite memorável.

O futuro do festival está em aberto: a internacionalização dos públicos, a possibilidade de passar de bienal a anual, tudo será decidido nos próximos tempos. Segundo a organização, por Cem Soldos passaram, nos cinco dias, 38 mil pessoas, um recorde mais que positivo. De sentimentos positivos saimos de Cem Soldos com a certeza de que a aldeia nunca mais será a mesma depois da edição deste ano do festival Bons Sons.

Primeira parte da reportagem, aqui.